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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Para ministro, cultura precisa ser valorizada

Jean Oliveira – Folha da Região / Rede APJ+

Notícia publicada na edição de 17/11/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 1 do caderno B – o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.





Agência Brasil

Ministro da Cultura, Juca Ferreira

O ministro da Cultura Juca Ferreira concedeu entrevista exclusiva à serie Bate-papo APJ (Associação Paulista de Jornais), por meio da Folha da Região (Araçatuba). Na conversa, por telefone, direto de seu gabinete em Brasília, ele afirmou que os brasileiros precisam superar o ‘complexo de vira-lata’ de achar que tudo o que fazem não é bom e que os gestores do interior precisam buscar mais verbas federais para suas iniciativas. Ferreira também rechaçou o clima de fim de mandato e revelou que mantém a esperança de aprovar algumas leis importantes para o fomento das artes do País, como o Plano Nacional de Cultura e o Vale-Cultura, que estão em tramitação no congresso, e implantar o Fundo Nacional de Cultura setorializado para dar agilidade à tramitação de projetos de fomento.

O ministro nasceu na Bahia, é sociólogo e dedicou sua trajetória profissional à vida política e às ações culturais e ambientais. Foi líder estudantil secundarista e chegou a ser eleito presidente da UBEs (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) no dia em que foi decretado o AI-5 (Ato Instituicional Número 5), que endureceu a Ditadura Militar no país. No início dos anos 90, participou da construção de um dos primeiros projetos de arte-educação do Brasil, o projeto Axé, voltado para crianças e adolescentes em situação de risco social. Ferreira incluiu a dimensão cultural nas ações socioeducativas do Axé, hoje considerada uma das mais importantes características do projeto.

De 93 a 97, Ferreira desenvolveu uma das mais reconhecidas ações socioambientais da Bahia, o Jardim das Folhas Sagradas, projeto eco-antropológico com as comunidades dos terreiros de Candomblé. Foi vice-presidente da Fundação Movimento Onda Azul, cujo presidente era o músico Gilberto Gil. Foi eleito duas vezes vereador do município de Salvador, de 1993 a 1996 e de 2000 a 2004.
Durante a última legislatura, em 2003, foi chamado pelo então ministro Gilberto Gil a assumir o cargo de Secretário-Executivo do Ministério da Cultura, onde permaneceu durante os cinco anos e meio de gestão de Gilberto Gil. Em agosto de 2008, foi convidado pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a assumir o cargo de ministro de Estado da Cultura. Leia trechos da entrevista:

P – Há uma visão geral de que quem gosta de cultura é europeu. Que o brasileiro, em geral, não gosta, não entende e não aprecia. O que o senhor acha disso?

R – Eu acho que é um pensamento preconceituoso. Cultura é tudo o que ultrapassa o limite do funcional, é tudo que tem carga simbólica. São as artes, os valores, as manifestações tradicionais e os ritos. E o Brasil é um país respeitado no mundo inteiro por nossa diversidade cultural. Então, se os brasileiros não gostassem de cultura, seríamos lisos, sem essa complexidade. Eu acho que isso (de afirmar que brasileiro não gosta de cultura) talvez seja uma manifestação daquilo que Nelson Rodrigues considerava ‘complexo de vira-lata’.

P – Na visão do senhor, as escolas hoje cumprem o papel de informar e despertar o interesse dos estudantes sobre as artes em geral?

R – Parcialmente. Acredito que o papel das escolas, inclusive, não é só informar. É também disponibilizar possibilidades do deleite estético, do acesso às linguagens artísticas. Tanto como ampliação da capacidade de expressão, também como fruição dessa produção cultural diversas, seja literatura, teatro, dança e cinema. Então, acho que é preciso que a arte e a cultura volte para a sala de aula e para o processo pedagógico por meio de atividades extra-curriculares. As três grandes instituições que contribuem para o desenvolvimento cultural (de um país) são a família, a escola e a biblioteca. E a escola talvez seja a mais importante, pois tem a maior capacidade de desenvolver o gosto pela arte e a compreensão. Então, é fundamental que a gente recupere esta relação da educação com a cultura.

P – Quais as ações que o ministério tem feito para realizar esta aproximação da cultura com o ensino?

R – A gente está em processo de discussão com o Ministério da Educação e desenvolvendo atividades conjuntas. Nós apresentamos agora, para a Educação, uma proposta de qualificação técnica, artística e de gestão na área da cultura para professores de todos os níveis, do básico ao superior e técnico. Pretendemos que os Pontos de Cultura contribuam para o desenvolvimento da educação nas unidades de ensino próximas a eles. Mas, acho que o essencial foi a aprovação da lei que permite que o ensino de música volte para a educação. E o Ministério da Educação está discutindo como fazer isso da melhor maneira possível.

P – As cidades do interior têm apresentado projetos culturais interessantes? Elas conseguem explorar o potencial de financiamento e incentivo do Ministério da Cultura?

R – Isso é um problema. Muitos municípios não recebem (verba) porque não apresentam projetos, nem concorrem nos editais (de incentivo). O ministério tem desenvolvido uma série enorme de editais possibilitando que grupos culturais locais de todos os níveis, de teatro, literatura, dança e cinema, por exemplo, concorram e tenham acesso a recursos. Então, nós estamos fazendo um esforço agora para divulgar, porque em muitos municípios brasileiros não surgem nenhuma proposta e nenhum desejo de ter acesso a estes recursos para desenvolverem suas atividades. Este é um problema que a gente está pretendendo resolver.

P – Falta capacitação para os gestores?

R – Às vezes falta (capacitação) dos gestores, mas às vezes isso acontece porque os municípios não têm uma secretaria de Cultura ou nenhuma fundação. Às vezes, também, os produtores culturais não acreditam na possibilidade de ter acesso a estes recursos e não tem tradição de fazer projetos. Os problemas são muitos. Então, a gente tem que ir evoluindo e integrando todo mundo. O grande objetivo nosso é disponibilizar estes recursos para todos os artistas, de todas as regiões do Brasil e de todas as áreas da cultura.

P – Como o senhor avalia a produção cultural das cidades de médio e pequeno porte do Brasil?

R – Varia muito! Tem umas cidades que têm uma diversidade cultural enorme. Outras, têm grupos culturais muito demarcados. Depende da formação da cidade, do processo de ocupação territorial. Mas, de qualquer jeito, o Brasil é reconhecido no mundo inteiro como um país que tem uma grande diversidade cultural, uma rica produção e uma capacidade criativa enorme. Tudo isso se manifesta em todo o território brasileiro, com suas variações. Há lugares que a presença dos que vieram da África é maior, em outras, a presença de colonizadores tem presença maior. Este é o Brasil com sua complexidade importante. Mas, a maioria do território é de uma mistura mestiça, cabocla com várias informações, de várias matizes. E isso se manifesta nas grandes cidades com uma pujança maior, por motivos óbvios, mas também se manifesta nas pequeninas cidades.

P – O ministério fez um esforço recente para simplificar o acesso à Lei Rouanet. Como foi este processo e quais os frutos colhidos com ele até agora?

R – Nós colocamos, para dirigir a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, um diretor de banco (Henilton Parente de Menezes, ex-funcionário do Banco do Nordeste do Brasil) exatamente para querer assimilar esta experiência da área privada para que a gente pudesse desenvolver aqui, no ministério, dentro da lei, obviamente, uma simplificação dos procedimentos. Assim, a gente pode facilitar a vida dos produtores culturais. Agora, depois de dois anos de trabalho, a gente está apresentando a simplificação (do processo de acesso aos benefícios da lei). Pelos nossos cálculos, este novo modelo vai diminuir a circulação de 80 mil documentos por ano. Isso, além de poupar trabalho e esforço, vai trazer benefícios ao meio ambiente. Considerando que para cada cinco quilos de papel se corta uma árvore, a gente vai economizar muitas árvores.

P – O senhor tem um histórico de lutas nas causas ambientais também. Como alia os trabalhos da pasta da Cultura com esta preocupação socioambiental?

R – Olha, aqui no ministério a dedicação é exclusiva. É de manhã, de tarde e de noite. São 12 horas por dia de trabalho. Mas é claro que a gente não perde a sensibilidade e estou ligado aí no tema. Mas, de qualquer jeito, não dá para fazer mais nada além desta dedicação ao ministério.

P – O que o senhor ainda não conseguiu fazer no ministério, mas ainda acredita que dará tempo para realizar?
R – Olha, nós vamos aprovar a mudança da Lei Rouanet, o Vale-Cultura e o Plano Nacional de Cultura. Então, tem uma série de lei tramitando no Congresso. Nós vamos implantar, agora, o Fundo Nacional de Cultura já setorializado, para facilitar a avaliação e a tramitação dos projetos. Então, a gente vai trabalhar até o último dia do governo. Tem muita coisa ainda para ser feita. Não vamos inventar mais nada. Daqui até o final do ano vamos colocar na rua o que ainda está em processo. Quero ainda enviar, para o Congresso, a modernização da lei do Direito Autoral.

P – Queremos conhecer as preferências do ministro. Indique, por favor, para nossos leitores, um livro e uma música.

R – Rapaz, indicar um livro e uma música é uma coisa difícil pra caramba porque varia de gosto e de momento! Sobre livros, eu gosto muito de ‘Viva o Povo Brasileiro’, de João Ubaldo Ribeiro. Fiquei deslumbrado quando o li e estou até pretendendo reler. Mas, se a pessoa não quiser enfrentar esta obra, indico um livro do Gilberto Freire. Tem um pequenininho, chamado ‘Açúcar’, que é genial. Ou então, ‘Casa-Grande & Senzala’, que também é uma interpretação do Brasil bastante generosa. Já música, gosto de todo e qualquer tipo. Vou indicar o saxfonista norueguês Jan Garbarek, que eu gosto muito e é pouco conhecido o Brasil. Então, a indicação aí não é porque é melhor ou pior que a música brasileira, que considero uma das melhores do mundo. Mas, é na intenção de ser um músico pouco conhecido, apesar de já ter tocado com Egberto Gismonti e Milton Nascimento.

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